PRIVATIZAÇÃO DA HIDROVIA DO PARAGUAI AVANÇA COM ‘IMBRÓGLIO AMBIENTAL’?

Barcaça com minério de ferro se movimenta em frente a cidade de Ladário, onde fica o porto da Granel -Fotos (Silvio de Andrade)


O governo federal definiu como prioridade a concessão da Hidrovia do Rio Paraguai, no trecho de 590 km entre Corumbá e Porto Murtinho (Foz do Apa), entrando na fase de consulta pública para obter contribuições, subsídios e sugestões para o aprimoramento dos documentos e da modelagem da proposta.

Contudo, não há um entendimento entre seus órgãos hidroviário e ambiental quanto ao licenciamento para recuperação e manutenção da via. Resumindo, o investidor não terá garantias jurídicas para colocar milhões de dólares em infraestrutura e operar o rio com volume robusto de cargas.

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) comemorou como “histórica” a aprovação da proposta de transferir a hidrovia para o capital privado, enquanto o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) decretava por nota técnica a exigência do estudo de impacto ambiental (Eia/Rima).

Já o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes), busca uma saída em vão nesse embaraço burocrático e se curva ao Ibama e ao ensaio megalomaníaco das organizações ambientais, que ressuscitam o tal megaprojeto da década de 1980 para argumentar que a simples dragagem de manutenção vai secar o Pantanal.

O governo federal anuncia investimentos de milhões de dólares na hidrovia, mas não dá garantias operacionais. Foto: Divulgação

Polêmica antiga

A concessão pretendida, sem dúvidas, vai impulsionar o transporte de cargas (minério, fertilizantes, grãos) pela via, com estimativa de atingir 30 milhões de toneladas a partir de 2030 e investimentos, nos primeiros anos, de R$ 63,8 milhões.

Somente o grupo J&F, que comprou as unidades da Vale em Corumbá, vai injetar R$ 1,1 bilhão a médio prazo para quadruplicar sua produção de minério de ferro, um dos melhores do mundo em teor de qualidade.

Depois que o presidente do Ibama recuou de forma intempestiva de sua posição informal de liberar a dragagem em alguns trechos da hidrovia, ficou clara a pressão das ongs ambientalistas e a recusa em série de outros setores do próprio governo federal, como a Secretaria Nacional de Hidrovias e Navegação, do Ministério de Portos e Aeroportos.

A dragagem de realinhamento do canal passou a ser classificada de “dragagem de aprofundamento”, discurso para justificar a não liberação das intervenções sem o Eia Rima.

Ao aprovar a concessão, o governo anuncia como uma das medidas para melhorar a navegabilidade o serviço de derrocamento (remoção de rochas) de trechos do canal do rio, o que vai fomentar a ação dos ambientalistas e ampliar o complô contra a hidrovia.

O trecho brasileiro, segundo ex-diretores da Ahipar (Administração da Hidrovia do Paraguai, órgão do Dnit), não precisa desse tipo de intervenção. O derrocamento está sendo feito no lado paraguaio, a partir de Vallemi, próximo a Porto Murtinho.

Ambientalistas argumentam que governo e setor privado querem “construir” a hidrovia, quando a via é um caminho natural


Estudo no lixo

Para consultores do setor, empresários e técnicos com larga experiência na hidrovia, a licença ambiental concedida pelo Ibama para as intervenções no Tramo Norte (Cáceres, MT), há mais de 20 anos, poderia ser estendida excepcionalmente ao Tramo Sul.

Isso, considerando as especificidades do mesmo ambiente e a crise hídrica. Porém, o instituto alegou a ocorrência de comunidades ribeirinhas e indígenas em trechos onde o rio é compartilhado pelo Brasil e Paraguai.

Também apontam, como alternativa, para não tornar inexequível a concessão e por extensão o transporte de cargas pela via, o Ibama considerasse o EVTEA (Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental) finalizado em 2017 pelo Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura (ITTI), da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Ao custo de R$ 9 milhões, o levantamento a pedido do Dnit abrangeu os 1.270 km da hidrovia, de Cáceres ao Apa, e está descartado nesse momento.

Dragagem em execução no tramo Norte do Rio Paraguai, com licenciamento do Ibama: sem impactos ambientais
Caminho natural

As intervenções nos trechos críticos do rio não são uma condicionante apenas para atender aos operadores, ampliar o transporte fluvial e reduzir a sobrecarga nas rodovias – dentre as quais a BR-262, onde centenas de caminhões com minério de ferro cruzam o Pantanal, impactam a fauna e provocam acidentes com vítimas.

A Marinha solicita a dragagem de manutenção em 28 pontos, desde 2012, para garantir a segurança na navegação.

Porém, os ambientalistas são desnecessariamente alarmistas, como cita Troy Vettese, historiador espanhol especializado em economia ambiental, estudos da fauna e energia. O discurso apocalíptico é inútil, prossegue ele, pois obscurece a percepção da crise.

O espalhafatar das ongs quando se trata da Hidrovia do Paraguai é algo premeditado. Se fala em “construir” uma hidrovia, sendo a via um caminho natural, e quando perdem o argumento, inserem o índio “sob ameaça” e alardeiam a “extinção do Pantanal”.

Impacto no Pantanal: assoreamento do Rio Paraguai está em processo acelerado e dragagem pode ser uma das soluções


Dragagem cerebral

A carta aberta enviada por ongs ao governo condenando a dragagem, onde novamente se destaca a figura da pesquisadora da Embrapa Débora Calheiros, assessora da Ministério Público Federal, evidencia o fundamentalismo ideológico do movimento disfarçado de “proteção”.

Um caso típico de “dragagem cerebral”, como definiu o articulista Lorenzo Carrasco, jornalista e coautor de “Máfia Verde: o ambientalismo a serviço do Governo Mundial” (2001).

A pressão consentida pelo governo pode desacreditar a concessão da hidrovia, sepultando, mais uma vez, a tentativa de incremento das exportações de minério de ferro de Corumbá pelo rio depois da Justiça barrar o escoamento da soja de Mato Grosso, nos anos 1980.

As perdas serão bilionárias, alertou o deputado estadual corumbaense Paulo Duarte, crítico contumaz do Ibama. Ele culpa “os técnicos radicais” de gabinete do órgão por impedirem a dragagem sem conhecerem o Pantanal – e dando voz e verdade absoluta aos que chamam de “cientistas”.

Pilar da ponte ferroviária: choque de barcaça


Sem saída, o Dnit decidiu: vai realizar o estudo ambiental

A situação de emergência hídrica decretada pela Agência Nacional de Águas (ANA) na bacia do Rio Paraguai devido à seca severa dos últimos anos, prorrogada até 31 de janeiro de 2025, poderia abrandar as exigências do Ibama para liberar a dragagem na hidrovia e gerar confiabilidade no mercado quanto a viabilidade e a periodicidade do transporte de cargas.

Após o Ibama informar que não se manifestaria a respeito de situações emergenciais, o DNIT entendeu que poderia obter a autorização por meio do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de MS). O presidente do órgão estadual, André Borges, confirmou a solicitação do DNIT, porém, após consultar seu setor jurídico, respondeu que a competência é da União.

“O fato de ocorrer dragagem no Tramo Norte deveria ser suficiente para comprovar aos órgãos ambientais que o impacto da dragagem no Rio Paraguai é mínimo. Entretanto, conforme já foi dito, o Ibama reiteradamente já informou que não se manifestará a respeito de um processo extraordinário de autorização, por isso a consulta ao órgão estadual”, esclareceu o DNIT.

Passo do Jacaré: mudança do canal, transversal ao vão central da ponte ferroviária: risco de acidente e custo de transporte


Tempo e dinheiro

Em resposta ao questionamento do jornal Correio do Estado, o Ibama informou que “inexiste amparo legal para que o Instituto se manifeste previamente sobre a prescindibilidade de autorização ou licença ambiental nos casos de intervenções tidas como necessárias ao enfrentamento de situações emergenciais”. Com isso, caberia ao próprio DNIT avaliar se há, no caso, um estado de necessidade administrativa e extraordinária a justificar a excepcionalidade.

No entanto, na primeira semana de dezembro, após a manifestação do Imasul, o DNIT confirmou que “seguirá trabalhando com o intuito de realizar o Eia/Rima exigido pelo Ibama, visando a obtenção de licença de operação para execução da dragagem de manutenção regular da hidrovia”. O serviço já tem custo previsto (R$ 16,5 milhões) e prazo (cinco meses).

Está lançada a sorte da concessão hidroviária pelo governo: o estudo ambiental demanda mais de 2 anos, após licitação, e a licença de operação está atrelada a sua viabilidade e o entendimento e análise da cúpula ambiental do governo Lula. A proposta do Eia/Rima ainda depende da emissão do termo de referência definitivo, pelo Ibama, para sua elaboração.

Barcaças amarradas na margem do Rio Paraguai aguardando manobra do comboio: custo operacional. Foto: Toninho Ruiz


Passo do Jacaré

A dragagem de manutenção para realinhamento do canal consiste na remoção de sedimentos ao volume de aproximadamente 943.298 metros cúbicos, em 12 trechos do rio, totalizando 39,9 km. Não se trata, portanto, de aprofundamento do canal ou derrocamento. O sedimento é depositado no próprio leito do rio, procedimento sem impacto no tramo Norte.

Um dos pontos mais críticos da hidrovia é o Passo do Jacaré, na confluência com a ponte ferroviária, em Porto Esperança (80 km de Corumbá, por estrada). O gargalo consiste na mudança do canal à direita da margem, em ângulo inclinado ao eixo da ponte, obrigando o desmembramento das barcaças, exigido pela Marinha por segurança, atrasando a viagem do comboio em dois dias e elevando o custo de transporte.

A retificação do canal no trecho é de 5,5 km e está sendo requerida a intervenção ao Ibama há mais de 15 anos pela Ahipar (Administração da Hidrovia do Paraguai), autarquia do DNIT que mudou de Corumbá para Campo Grande e perdeu sua função. O risco de acidente neste local é iminente e já ocorreram choques de embarcações com os pilares da ponte ferroviária.

Credito:Lugares.eco/Silvio Andrade

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Joel de souza

Radialista a mais de "48" anos na cidade de Corumbá, Joel trabalhou na Rádio Clube, Difusora e FM Pantanal, fez grandes coberturas como o Carnaval de Corumbá.